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Raízes do Amanhã: Preservar o Solo é Cultivar o Futuro

Texto por: Iasmin Feitosa

 

No dia 15 de abril, o Brasil celebra o Dia Nacional da Conservação do Solo, uma data que convida à reflexão sobre a importância desse recurso natural essencial — e muitas vezes invisível — para a vida e o desenvolvimento sustentável. Afinal, é no solo que se firmam as raízes da produção agrícola, da biodiversidade e da própria segurança alimentar. Mas, apesar de seu papel vital, o solo segue sendo ameaçado por práticas inadequadas de uso e manejo, o que torna urgente o debate sobre sua preservação.

Para aprofundar esse tema, conversamos com Alcido Elenor Wander, pesquisador da Embrapa, doutor em Ciências Agrárias com ênfase em Economia Agrícola pela Universidade de Göttingen (Alemanha) e presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER). Com ampla atuação na pesquisa e na formulação de políticas ligadas ao agronegócio, Alcido é uma referência quando o assunto é o equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade no campo.

Na entrevista, ele destaca o solo como um dos principais fatores de produção na agropecuária brasileira e explica por que sua conservação é determinante para o futuro do agronegócio, da agricultura familiar e do bem-estar das comunidades rurais. Ele também fala sobre políticas públicas, os avanços gerados pela pesquisa científica e os principais desafios enfrentados por produtores, especialmente diante das desigualdades no acesso a recursos e tecnologias.

Além disso, Alcido ressalta o papel de universidades, centros de pesquisa e da própria sociedade na construção de uma consciência mais crítica e responsável sobre o uso do solo. Afinal, preservar esse recurso não é só uma necessidade do setor agropecuário, mas uma urgência coletiva diante das mudanças climáticas, da insegurança alimentar e da crescente pressão sobre os recursos naturais do planeta.

 

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Foto 1: Alcido participando do “Pulses and Special Crops International Summit”, evento internacional que reúne empresas do setor de feijões e colheitas especiais. Reprodução arquivo pessoal.

Confira a seguir:

IASMIN FEITOSA: Qual a importância da conservação do solo para o desenvolvimento sustentável do Brasil, especialmente no contexto do agronegócio?

ALCIDO ELENOR WANDER: Dentre os fatores de produção (terra, capital e trabalho), o solo — correspondente ao fator terra — é fundamental, considerando que, na agropecuária, ocorrem uma série de processos de natureza biológica para os quais as características do solo são essenciais. Como a agropecuária é parte central do agronegócio, um solo com boas características produtivas é determinante para o processo biológico de produção. A conservação dessas características produtivas é crucial para a sustentabilidade de todas as atividades que dependem diretamente desse recurso.

Quais são os principais desafios enfrentados pelos produtores rurais hoje em relação à preservação e ao uso adequado do solo?

Os produtores rurais, que dependem diretamente das condições produtivas dos solos, são os maiores interessados em manter e até melhorar suas características. Isso implica realizar investimentos em melhorias contínuas, com o objetivo de assegurar bons níveis produtivos ao longo do tempo. No entanto, esses investimentos exigem recursos que nem sempre estão disponíveis para todos os produtores, principalmente devido ao alto custo do capital necessário para realizar tais investimentos. Em uma perspectiva de médio e longo prazo, muitas vezes os produtores precisam abrir mão de parte dos retornos no curto prazo para garantir retornos sustentáveis no futuro.

 

Como o senhor avalia a relação entre políticas públicas e práticas conservacionistas no campo? Temos avançado nesse sentido?

As políticas públicas exercem um papel indutor importante no estímulo a comportamentos desejáveis por parte dos produtores e demais atores das cadeias produtivas. Elas funcionam como incentivos econômicos para a implementação de ações que visam à melhoria contínua das condições produtivas dos recursos naturais, como o solo e a água. Ao longo do tempo, tivemos avanços significativos, como a criação do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que incentiva a adoção de práticas produtivas como o plantio direto, os sistemas integrados de produção, o cultivo de florestas plantadas, a fixação biológica de nitrogênio, entre outras.

 

Que práticas de manejo sustentável o senhor considera mais eficazes para preservar a qualidade do solo sem comprometer a produtividade agrícola?

Entendo que as práticas contempladas pelo Plano ABC reúnem um conjunto bastante interessante de ações, entre as quais destaco: (a) o sistema de plantio direto; (b) os sistemas integrados de produção, como a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); (c) as florestas plantadas, como os cultivos de eucalipto e outras espécies voltadas para fins energéticos e madeireiros; (d) a fixação biológica de nitrogênio, em que as plantas cultivadas são inoculadas com bactérias capazes de fixar o nitrogênio atmosférico, reduzindo significativamente a necessidade de adubação com nitrogênio de origem fóssil; (e) a recuperação de pastagens degradadas, o que aumenta a produtividade das áreas de pasto e, consequentemente, preserva outras áreas que poderiam ser destinadas a outros usos; e (f) o tratamento de dejetos animais, reduzindo a contaminação ambiental e fornecendo nutrientes importantes para a melhoria da qualidade do solo na agropecuária.

 

De que forma a pesquisa científica tem contribuído para o desenvolvimento de soluções mais sustentáveis no uso do solo?

A pesquisa científica tem gerado, de forma contínua, novos conhecimentos. Esses avanços vêm sendo incorporados a novas práticas e estratégias de manejo do solo, adaptadas a diferentes contextos e realidades produtivas. Um excelente exemplo é o conjunto de práticas contempladas pelo Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que resulta de intensos esforços científicos. Esses princípios foram comprovados por meio de pesquisas e validados regionalmente, considerando as distintas condições locais, para que possam ser efetivamente implementados pelos produtores rurais. É fundamental que todos esses resultados sejam devidamente comunicados aos produtores, para que eles compreendam a importância e a viabilidade da adoção dessas práticas.

 

W2Foto 2: Área de manejo sustentável em Mangueirinha-PR. Reprodução arquivo pessoal.

 

Poderia citar projetos ou iniciativas da Embrapa que têm se destacado na promoção da conservação dos solos?

A Embrapa tem desenvolvido diversos projetos e ações voltados à melhoria das características produtivas dos solos. Talvez o exemplo mais emblemático seja a conversão de solos ácidos do Cerrado em solos altamente produtivos, o que permitiu o expressivo desenvolvimento da agropecuária nessa região. Os sistemas integrados, que combinam culturas anuais, forrageiras e espécies arbóreas na mesma área, têm se consolidado como um grande sucesso, especialmente com a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e suas variações. Outro destaque é a fixação biológica de nitrogênio, que hoje gera uma economia de dezenas de bilhões de dólares ao reduzir a necessidade de adubação nitrogenada de origem mineral (fóssil). Além disso, há diversas outras iniciativas voltadas à melhoria da qualidade dos solos agropecuários nas diferentes regiões do Brasil.

 

Como a degradação do solo impacta diretamente a economia rural e o bem-estar das comunidades agrícolas?

Solos manejados de forma inadequada comprometem seu potencial produtivo. Isso resulta em uma menor produção, o que significa menos renda para os produtores rurais e menor oferta de produtos essenciais, como alimentos, fibras e energia, para a sociedade. A redução na produção impacta diretamente na renda individual e coletiva, além de diminuir a disponibilidade desses recursos. Quando os solos estão severamente degradados, os custos para recuperá-los podem ser tão elevados que, em alguns casos, tornam a recuperação inviável. Portanto, o manejo adequado dos solos, visando manter e até melhorar seu potencial produtivo, é a melhor estratégia a ser adotada.

 

A agricultura familiar enfrenta os mesmos desafios da agricultura em larga escala quando se trata de conservação do solo? Há diferenças importantes?

Todos os agricultores, independentemente da escala de produção, precisam cuidar adequadamente de seus recursos produtivos, incluindo o solo e a água. Parte dos agricultores familiares tem acesso a informações e conhecimentos técnicos que permitem realizar um bom manejo de seus solos. No entanto, muitos outros enfrentam dificuldades devido ao acesso limitado a conhecimentos técnicos e, frequentemente, à falta de recursos financeiros necessários para investir na melhoria da qualidade do solo. Por outro lado, os produtores em larga escala normalmente possuem maior acesso tanto ao conhecimento técnico quanto ao capital necessário para realizar os investimentos necessários nas melhorias de suas áreas.

 

Como o senhor vê o papel das universidades e centros de pesquisa na formação de produtores e profissionais mais conscientes sobre o uso do solo?

As universidades e os centros de pesquisa desempenham um papel fundamental nesse processo. Ambos são responsáveis por desenvolver pesquisas que podem resultar em recomendações técnicas e inovações tecnológicas para melhorar o manejo do solo na agropecuária em todo o país. Além disso, as universidades e outras instituições de ensino têm a missão crucial de formar bem os novos profissionais que atuarão no setor agrícola. Esses profissionais serão responsáveis por fazer as recomendações necessárias aos produtores, para que o uso do solo seja cada vez mais eficiente e sustentável.

 

O que o Dia Nacional da Conservação do Solo representa para a sociedade brasileira e por que essa data ainda é tão necessária?

O Dia Nacional da Conservação do Solo, celebrado em 15 de abril, foi instituído para conscientizar a sociedade sobre a importância do solo como um recurso essencial para a vida. A data tem o objetivo de promover práticas sustentáveis de manejo e preservação do solo. Acredito que essa data continua sendo muito relevante, pois o solo ainda enfrenta ameaças constantes, como erosão, degradação, compactação e contaminação, que comprometem sua fertilidade e afetam a segurança alimentar. Além disso, solos degradados têm uma menor capacidade de captar carbono, o que agrava problemas climáticos, como o aquecimento global, que afeta a população atual. Portanto, precisamos cuidar do solo, tanto para o nosso bem-estar quanto para o das futuras gerações.

 

W1Foto 3: Plantação de feijão em agricultura familiar. Reprodução.

 

A entrevista com Alcido Elenor Wander reforça que conservar o solo é muito mais do que uma prática ambiental — é um compromisso com o presente e o futuro da produção agrícola, da economia rural e da vida em sociedade. A degradação do solo, quando ignorada, gera efeitos em cadeia: impacta a renda dos produtores, reduz a oferta de alimentos, afeta a saúde dos ecossistemas e contribui para as mudanças climáticas. Por outro lado, o investimento em manejo sustentável, aliado a políticas públicas eficazes e ao acesso ao conhecimento técnico, abre caminho para um modelo de agricultura mais justo, resiliente e duradouro.

O Dia Nacional da Conservação do Solo, portanto, não é apenas uma data simbólica: é um chamado à ação. É o momento de reconhecer o solo como um bem coletivo, que precisa ser cuidado e protegido por todos — produtores, pesquisadores, gestores públicos e consumidores. Como destaca o pesquisador, “cuidar bem do solo é cuidar do nosso próprio futuro”. E que essa consciência, mais do que celebrada, seja aplicada no cotidiano de quem cultiva, consome e pensa o campo brasileiro.

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