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O céu é o limite

Em comemoração ao Dia Mundial da Astronomia, o Museu de Ciências conversa com Rafael Miloni Santucci, diretor do planetário da UFG

Por: Iasmin Feitosa

 

No dia 8 de abril é celebrado o Dia Mundial da Astronomia no Brasil, e o Museu de Ciências aproveita a data para homenagear essa área fascinante — e ainda pouco explorada nas salas de aula do país. Para isso, convidamos Rafael Miloni, diretor do Planetário da Universidade Federal de Goiás (UFG), para uma conversa sobre sua trajetória e os encantos da ciência que estuda o céu.

Graduado em Física com habilitação em Astronomia pela Universidade de São Paulo, Miloni atua com pesquisa e divulgação científica desde 2005. Hoje é professor adjunto na UFG, onde desenvolve trabalhos nas áreas de arqueologia galáctica, astrofísica estelar — com foco observacional — e análise de grandes bases de dados. Seus objetos de estudo incluem estrelas pobres em metais, blue stragglers e estrelas azuis de ramo horizontal.

Nesta entrevista, ele compartilha as origens de sua paixão pelas estrelas, os desafios e descobertas da carreira e oferece conselhos a quem sonha seguir os passos de quem lê o universo como um grande livro aberto.

 

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Foto 1: Rafael Miloni ao lado do projetor utilizado no Planetário UFG. Reprodução.

 

Confira a seguir:

 

IASMIN FEITOSA: Rafael, o que despertou seu interesse pela astronomia? 

 

RAFAEL MILONI: Bom, eu tive a sorte de morar na periferia de São Paulo. Não vou chamar isso de azar, porque a minha minha casa propiciava umas coisas que talvez outras casas não pudessem. Por conta de estar afastada da região central, eu tinha acesso a um céu um pouco melhor do que regiões mais iluminadas. Então, era muito comum eu olhar para o céu; e um ponto foi muito importante: eu, pela primeira vez, vi um objeto “andando” no céu. Eu nunca tinha visto nenhum fenômeno parecido. Eu cheguei a comentar com o meu irmão. Eu perguntei se ele tinha visto e ele deu uma resposta excelente para mim: "Sim, já tinha visto isso quando estava andando na rua, mas fiquei com medo! Aí, parei de olhar para o céu, corri para casa e nunca mais toquei nesse assunto". Só que, para mim, isso se tornou uma necessidade. Eu pensava: “eu quero saber o que é isso, de toda forma, não importa o que aconteça, eu vou me dedicar. Enquanto eu não souber como funcionam as coisas no céu, eu não vou sossegar”.

 

E o que eram as coisas no céu? 

 

Ah, olha só! Você é uma das poucas pessoas que pergunta isso! Eu coloco esse gancho, mas as pessoas não perguntam. Eram satélites artificiais!

 

Tem algum momento na sua carreira que você considera marcante?

 

Há! Vários. Eu tenho muita sorte de ter tido oportunidades boas em épocas muito importantes. Eu tenho esse momento marcante: a minha primeira ida ao planetário como voluntário, enquanto eu fazia graduação. As pessoas precisavam de trabalho voluntário e eu era uma das pouquíssimas pessoas que estava fazendo graduação na área que o planetário teria algum proveito, que é a física, a astronomia. 

Então, lembro muito bem de como foi importante eu estar lá naquele momento, tanto para o planetário como para mim. Eu fiquei muito feliz de poder trabalhar nesse lugar. A partir daí, tive a sorte de trabalhar com pessoas muito boas que me abriram portas. 

Eu me dediquei muito à pós-graduação e uma coisa legal é que eu sempre fui da área observacional. Eu sempre trabalhei fazendo pesquisa, coletando dados e analisando dados de observações. Isso me deu a possibilidade de ter trabalhos importantes logo no começo da carreira. Então, antes de terminar o doutorado, eu tive dois artigos muito importantes que foram capa da Nature! A primeira edição da capa da Nature Astronomy é um trabalho que teve uma participação muito importante de uma observação que eu fiz. Foi uma coisa muito legal poder trabalhar com isso. Estar produzindo uns resultados interessantes. 

Meu trabalho de doutorado mesmo foi uma coisa muito legal, porque foi uma ideia minha. Era sobre um tipo de estrela que eu analisava e que ninguém dava bola, digamos, porque achavam que não era importante, e que rendeu também um resultado que saiu na Nature Physics

 

Você acha que existem habilidades essenciais para quem quer seguir carreira na astronomia? 

 

Sim. A primeira é gosto. Se você realmente tiver isso como uma coisa que você tem alegria de fazer, de pesquisar e de entender, é para aí que você tem que seguir. Depois de trilhar esse caminho por alguns anos, é claro para mim que existem ferramentas que, o quanto antes a gente desenvolver, mais fácil é o trajeto. 

Eu poderia dizer, tipo, o gosto pela matemática é uma coisa muito importante. Você não precisa ser bom. Não estou dizendo que você precisa ser genial em matemática, mas você precisa gostar de matemática

Hoje em dia, também é muito claro para mim coisa que não era tão frequente quando eu entrei, mas que é urgente que os astrônomos saibam programar. Então, a linguagem de programação que é mais usada na astronomia hoje (pode não ser a mais rápida e a melhor) é o Python. Quanto antes a pessoa tiver, assim, até gosto de aprender a programar, escolher uma linguagem de programação e ter facilidade de desenvolver um programa para fazer um resultado…Isso é fundamental. 

E, por fim, você não precisa ser fluente, mas você precisa saber ler em inglês. Não existe fonte de informação em português com conhecimento de astronomia que seja tão boa quanto são os livros em inglês. A gente tem livros bons em português, mas eles são muito limitados a professores das áreas específicas que fizeram esses livros para os seus cursos de graduação. 

 

Se você tivesse que fazer uma escalação dos maiores problemas que a astronomia enfrenta aqui no Brasil, quais seriam eles? 

 

O problema do curso de astronomia é que ele não tá instalado em todas as cidades (onde as pessoas têm interesse) e ir até as cidades para fazer esse curso… Às vezes, não é uma coisa muito fácil. E não é um curso que a pessoa ganha dinheiro enquanto está fazendo ele. Você não vai encontrar um mercado de trabalho querendo astrônomos em formação para estagiar em algum lugar que vai te dar alguma coisa. Isso não acontece, infelizmente. Esse é o segundo ponto, que é um problema desde o começo até o final. 

A gente tem a necessidade de ter uma boa formação em astronomia desde as crianças até os adolescentes, porque isso é obrigatório na base nacional comum curricular. Mas, de ser obrigatório até ser uma ação corretamente feita, existe um abismo.

 

3Foto 2: Chuva de Meteoros. Reprodução.

 

Eu adoraria saber quais equívocos você mais vê as pessoas perpetuarem sobre assuntos da astronomia!

 

É, tem muita coisa. Por exemplo, uma das coisas que acontece com a sessão do planetário que passamos aqui. A gente explica o que é um meteoro (que é um brilho feito por um pedaço de rocha que entrou na atmosfera; ele se queima e forma aquele rastro brilhante). Isso na cabeça das pessoas já “faz” uma tristeza. Uma decepção profunda, porque o nome que elas conhecem para isso é estrela cadente. E quando elas percebem que estão fazendo um pedido por um pedacinho de uma pedra que entrou no ar elas ficam frustradas.

Tem gente que fica triste quando eu falo que a gente não encontrou vida em nenhum outro lugar além da Terra. As pessoas gostam de acreditar na teoria da conspiração de que a gente é visitado por naves espaciais e tudo mais… Isso é diferente de afirmar que não tem. Porque a gente procura, mas… É uma coisa que frustra muita gente, sabe? 

 

Estamos chegando na última pergunta, que é: que dicas você daria para jovens que querem seguir carreiras em astronomia? 

 

Então, olha só… Eu posso enganar pela minhas falas, mas me divirto e sou muito feliz por ter feito a astronomia. Eu não faria outra coisa da minha vida, mas tem vários momentos que eu paro, olho para trás e falo: "Nossa, é porque eu era novo que eu aguentei algumas coisas, porque se fosse hoje, com a minha cabeça, eu não passaria por isso de novo”. O curso de astronomia é difícil porque ele tem pouco reconhecimento fora do mundo acadêmico.

É um curso complicado, sabe? Não dá para falar que é tudo mil maravilhas. A pessoa tem que ter muita consciência do que é o curso de astronomia. Ela tem que procurar ao máximo saber como é a realidade do curso que ela vai fazer, de onde é o curso de astronomia, do que ela precisa para se dar bem no curso, conversar com alunos que fazem aquele curso (eles podem dar uma ideia do que é difícil, do que é fácil, do que é legal, do que que não é legal). 

Então, é interessante que ela, pelo menos, faça uma busca através da internet. Hoje, na rede social, você consegue entrar em contato com pessoas que fazem os cursos e podem te dar alguma resposta. Bom… Gostar de matemática é uma coisa fundamental… E saber que a astronomia é uma área que, no Brasil, pelo menos atualmente, está muito mais voltada para o mundo acadêmico do que para o mercado de trabalho. 

Logicamente, que não serão tapadas as portas por completo no mercado de trabalho, mas o curso de astronomia é pensado para desenvolver pesquisa, para você trabalhar com descobertas nesta área do conhecimento e não atender uma demanda de profissionais do mercado de trabalho, sabe? Isso é uma coisa importante de ter em mente. 

 

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A conversa com Rafael Miloni deixa claro que a astronomia é muito mais do que contemplar o céu estrelado. É uma área que exige dedicação, preparo técnico, curiosidade e, acima de tudo, paixão pela investigação científica. Ao mesmo tempo, é um campo capaz de proporcionar descobertas transformadoras — tanto para quem pesquisa quanto para quem aprende. Como Miloni mostrou, entender o universo também é uma forma de nos entendermos melhor enquanto espécie, cultura e civilização.

Apesar dos desafios estruturais enfrentados por quem escolhe essa carreira no Brasil, especialmente no que diz respeito à formação e ao mercado de trabalho, a astronomia continua a atrair mentes inquietas. Isso porque, para além das dificuldades, há um encantamento profundo que se revela em cada dado analisado, em cada estrela observada, em cada hipótese que se transforma em conhecimento. Nesse sentido, a trajetória de Miloni também é um convite para persistir, investigar, se conectar com a ciência — mesmo quando o caminho parece difícil.

 

2Foto 3: O diretor posando em frente ao Planetário UFG. Reprodução.

 

Neste Dia Mundial da Astronomia, fica a provocação: a astronomia pode até não estar no centro das nossas rotinas, mas certamente está no centro de tudo que nos cerca! É uma ciência que começa com a curiosidade e, com sorte e empenho, pode te levar tão longe quanto o universo permitir.

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